Por 18 dias, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) levou às últimas consequências um gesto político raro em tempos de pragmatismo e cálculo eleitoral: uma greve de fome, em protesto contra o injusto e casuístico processo de cassação de seu mandato. A acusação: ter reagido a provocações e agressões verbais de um militante do MBL, conhecido por suas posturas extremistas. Glauber perdeu mais de 10 quilos com a greve de fome. Mas à medida que emagreceu, viu crescer o peso simbólico e político de sua resistência.

A tentativa de cassação de Glauber Braga no Conselho de Ética está inserida em um embate mais amplo com o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira. Glauber se tornou alvo político após denunciar o chamado “orçamento secreto” e acusar Lira de liberar ilegalmente R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares. Glauber chamou Lira de "bandido". 

O caso, originado de uma manobra criada no governo Bolsonaro para ampliar o poder do relator do Orçamento, é investigado pela Polícia Federal, que já ouviu o deputado como testemunha.

A ação de Glauber atravessou bolhas e rompeu silêncios. Ao colocar sua própria saúde em risco para denunciar o que considerava uma perseguição política, o deputado criou um constrangimento concreto dentro da Câmara dos Deputados. 

Mesmo parlamentares de outros partidos — inclusive da extrema-direita — passaram a questionar a desproporcionalidade da pena. Era evidente o exagero do Conselho de Ética da Câmara, em se tentar cassar um deputado por um episódio de confronto verbal, após agressões vindas de fora do Parlamento, de um grupo que atua sistematicamente para minar a democracia. 

E sobretudo numa legislatura com ampla gama de parlamentares que estilhaçam o decoro parlamentar todos os dias e nada acontece.

A pressão de Glauber aumentava a cada dia na Câmara e nas redes sociais. 

Foram mais de 150 mil assinaturas de um manifesto em defesa de seu mandato. A situação ficou insustentável e levou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi obrigado a tomar uma decisão.

Diante da mobilização política, da pressão pública e do agravamento do estado de saúde de Glauber, Motta propôs um acordo para encerrar a greve: um prazo de 60 dias para que Glauber se defenda antes de votação em plenário. 

A articulação contou com o envolvimento direto do governo Lula, por meio da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e do líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), que ajudaram na mediação com a presidência da Casa.

O recuo de Hugo Motta não foi um gesto de boa vontade — foi fruto de um movimento político construído a partir da indignação e da coragem. Glauber não apenas resistiu: obrigou o sistema a reagir. E, ao fim da greve, ao anunciar o acordo que suspende o processo de cassação, saiu ainda mais fortalecido. Sua atitude não foi isolada nem inútil. Foi estratégica, simbólica e eficaz.

O mandato de Glauber Braga é um dos mais combativos da esquerda no Congresso. 

Ao longo dos anos, ele se posicionou com firmeza contra retrocessos sociais, privatizações e o avanço do autoritarismo. Sua coerência política sempre foi reconhecida dentro e fora do PSOL. Mas, com essa greve de fome, Glauber transcendeu seu próprio campo. Atravessou a esquerda tradicional e se conectou com um sentimento mais amplo de defesa da democracia e da justiça.

O episódio deixa marcas importantes. Mostra que há espaço, ainda que estreito, para a ação política baseada em princípios — mesmo em um Parlamento cercado por pressões econômicas e fisiologismo. Mostra também que a extrema direita não terá sempre a última palavra. E, principalmente, revela que coragem e convicção seguem sendo ativos poderosos na política brasileira.

Glauber Braga ficou maior. E, ao contrário do que queriam seus adversários, saiu dessa luta não enfraquecido, mas ampliado — em estatura moral, política e histórica.