A Globo está aparentemente perdida sobre quais rumos tomar para reverter a crise que o remake de Vale Tudo enfrenta na Kantar Ibope. Uma solução, porém, está bem debaixo do nariz da emissora. Afinal, a atriz Taís Araujo tem estabelecido um diálogo direto --e, principalmente, sem qualquer subestimação-- com o público nas redes sociais.
A artista curiosamente está na contramão das recentes medidas da emissora, que tem utilizado a sua programação para criar a impressão --bastante artificial, aliás-- de que a novela das nove é um sucesso. Intérprete de Raquel, ela obviamente está longe de chamar a produção de um "fracasso retumbante", mas tem uma postura completamente diferente: a de não ignorar o desconforto do telespectador com o andamento da história.
Taís, por exemplo, publicou um vídeo na sexta (23) perguntando o que o espectador tinha a dizer sobre a sua protagonista. Ela, inclusive, tocou na ferida de que parte acha a sua personagem "burra" e "chata" --sem, em nenhum momento, desmerecer o texto de Manuela Dias.
"Você tem algo para dizer a Raquel? A hora é agora e o espaço é esse. Aceito dúvidas, críticas, elogios, sugestões. Mas com carinho, por favor", escreveu.
As respostas variam de pessoas que elogiam a sua atuação até as que apontam problemas que vão do figurino de Raquel, passando pela tatuagem com o nome de Maria de Fátima (Bella Campos) e erros de continuidade. Teve até quem disse: "Amo você, mas a Raquel me irrita bastante".
Esse retorno tem peso de ouro para o ator, ainda mais para alguém com a experiência de Taís, que já passou por apertos bem piores na carreira --como em Viver a Vida (2009). Ela, obviamente, sabe separar os comentários desnecessários daqueles que realmente vão ajudá-la na novela das nove.
O maior acerto da artista, porém, é justamente abrir espaço para ouvir o público. E não à toa esse gesto vem de uma atriz que sabe fazer televisão, porque entende que --sem o telespectador do outro lado-- não existe novela.
Afinal, os números do Ibope hoje vão muito além da audiência, mostram também o quanto as pessoas estão dispostas a abrir espaço no seu dia para acompanhar àquela equipe que está dedicada a construir uma história.
A principal falha de Vale Tudo é não ouvir o público
Um folhetim obviamente não vai atender a todos os apelos da sua audiência, até porque --como Dona de Mim já mostrou bem-- às vezes também é preciso frustrar o seu espectador. Entretanto, ignorar por completo que há uma indisposição com a novela das nove não parece muito promissor.
Não à toa, as recentes declarações de Debora Bloch sobre as críticas à novela pegaram tão mal. Em entrevista a O Globo, a atriz chegou a reclamar que "todo mundo virou crítico como se dissesse grandes verdades sem ter lido um livro".
A maior parte do público brasileiro realmente pode não ter folheado os textos de Roland Barthes (1915-1980) e Gérard Gennet (1930-2018) sobre as teorias da narrativa nem fazer a menor ideia de quem é Umberto Eco (1932-2016) ou Constantin Stanislavski (1863-1938).
É, porém, de uma ignorância profunda achar que o brasileiro não entende de novela. A dramaturgia diária moldou a maneira como nós entendemos conceitos básicos como amor, ódio e inveja; influenciou a forma como contamos nossas histórias no dia a dia; e até ditou quais as músicas que fariam parte da nossa vida.
O folhetim é uma instituição profundamente interligada com os brasileiros, dos mais intelectualizados aos que tiveram menor educação formal. Até porque, se a novela não é capaz de tocar até os mais leigos, ela simplesmente não tem um motivo para existir.
Vale Tudo foi exibida em 1988 e é um dos grandes sucessos da teledramaturgia brasileira. O remake, escrito pela autora Manuela Dias, será substituído no final do ano por Três Graças, uma novela de Aguinaldo Silva.
